segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Dia de Brinquedo

Vejo estas crianças correndo na casa onde cresci. Vejo pela janela branca da sala, a árvore que retorcida que se enfeita de flores vermelhas no verão. Vejo o sol do meio-dia fazendo brilhar as frestas do, sempre verde, portão .
Sinto as folhas amareladas da romã roçando meus pés enquanto abro o portão lateral, que esconde tomates e abóboras, se enroscando pelos matos, assim como nos contos da Gata Borralheira .
Subo as escadas de pedra e encontro a visão do que era o Grande Mundo para mim : a paisagem de morros verdes penteando as nuvens e refugiando o sol, o mato alto com um intraduzível cheiro fresco, a estrada de terra que me parecia infinita .
Entro em casa e sinto o chão gelado da cozinha, onde sempre há cheiro de café . Ouço as histórias dos crimes que passam na televisão, mas que chegavam lúdicas aos meus ouvidos pela forma como saíam da boca da minha avó . Histórias estas que sempre tinham ao fundo, o som de uma máquina de costura que paria os meus vestidos e os das bonecas também .
Sento na varanda como sempre fiz, quando ficava esperando para ouvir o som das botas caramelo da minha mãe, o cadeado sendo aberto sempre com pressa pela minha irmã, as músicas da minha madrinha, a forma certa e ritimada do meu tio de limpar os pés, a voz rouca da tia Alice, a forma boba e tímida do primo de brincar com o cachorro e a risada estonteando do padrinho, que insisto em esperar, mesmo sabendo que nunca mais vou ouvi-la .
Os meus sons, os meus cheiros, os meus sabores, as minhas lembranças...que construirão sonhos de outras crianças .

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Os Escafandristas

                                                       Para : Paulo Rob
Eu olhei no espelho e vi a imagem toda borrada de uma mocinha esfregando os olhos .
Pensei ter ouvido seu bocejo exagerado, mas a casa que foi nossa está silenciosa pela primeira vez. Eu acordei sozinha, sem sua risada bagunçando meus deveres...Como vai ser daqui pra frente, se eu tiver que aceitar a sua ausência ? É insuperável...Eu estou distante de ilusões, vou tentar não chorar mais e nem pensar em te tocar por um instante, sei que de nada adiantaria, mas não posso agir como se você não houvesse estado aqui por tanto tempo. Toda canção que fala de amigo ou amor me lembra você, me faz querer te convencer. Fico lembrando os nossos diálogos e tudo o que você me ensinava.
Aí sinto com exatidão a dimensão dos seus braços frios me entrelaçando as costas, me pegando no colo, me jogando no ar. As suas roupas não estão mais aqui e nem voltarão a estar...Aquela sua camisa verde que eu adorava, seus óculos sempre nos lugares errados, suas músicas fora de hora...Tudo isso que, indo embora, esvazia a casa e a mim .
Que saudades do cheiro do seu cabelo...Sem você, não haverá mais dança nesta casa .
São insuportáveis as lembranças de você chorando e tirando suas coisas daqui, dizendo que o o amor já não cabia mais em nós e que estávamos nos tornando um, que eu era o melhor de você, que você era o melhor de mim e isso estava nos anulando. Que não deviamos ter deixado chegar neste ponto, que tínhamos construido um escafandro e estávamos tentando, a qualquer custo, nos prender dentro dele...mas, num escafandro só há lugar para um, e você resolveu ocupá-lo, não é, meu bem ?
Olho os nossos sorrisos empoeirarem nas fotos. Você foi embora ontem à noite e tudo ainda tem o seu cheiro, meu mais raro amigo, meu amor...
Como eu vou viver sem teu ritmo ? Eu quero resistir, eu quero sim . Mas, mesmo que passem os meses sem que eu perceba, a cama ao lado da minha permenecerá vazia, e a sua falta continuará a cerca de mim .
Vou voltar pra cama, hoje eu permito que a vida não espere por mim .

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Posso te fazer uma pergunta ?

                                                                                          Para : Buu .
Hoje pensei em te ligar, ...mas acabei esquecendo, assim como em todos os dias, certifico-me de que vou esquecer de tê-la . Sua voz ao telefone só me faria desobedecer minha imposição, ela já é o bastante para me sequestrar para momentos a sós, nos quais somente as suas lembranças são capazes de me alcançar .
Fico pensando como seria tudo agora, se não tivéssemos pensado tanto no futuro...se eu tivesse tentando enxergar o que realmente tínhamos...e não consigo chegar a uma certeza, quando quase consigo ouvir minha boca te dizendo o que não fazer e sentindo a sua fazer exatamente o contrário . As suas risadas me coloriam, sua pele me encantava tanto que eu queria cantá-la a todos que pudessem acreditar no calor que tinha .
Eu achava certo me dedicar a não pensar em você, a apenas querer te tocar todos os dias, não sabia que estava apenas sentindo sem pensar .
Ainda sinto o cheiro do seu cabelo me embaçando as decisões, seus olhos indecifráveis me dizendo tanto...eu me permitia sem saber .
Mas, os dias continuam passando sem poupar os seus vestígios em mim, e quase tudo vai ficando para trás...a leveza, a felicidade, o riso... é tarde para me convencer que te amo .

domingo, 16 de janeiro de 2011

Quem tem medo de chuva ?


Quem tem medo de chuva ?
Ela se perguntava, debruçada na janela...Não conseguia entender o motivo o medo, não entendia quem tinha medo dela . Mas, se ela não entendia..por que o tinha ?
Ela também não entendia.. ela não entendia muitas coisas, principalmente tratando-se dela mesma !
Tão bela, tão limpa, tão cheia de adjetivos... Falo da chuva ou da moça ? Mas também não seria uma moça a chuva ?
A moça olhava, debruçada na janela, como incrivelmente as cores se transformavam ao serem tocadas pelas gotas . Os tons de vermelho desmanchavam em rosas pálidas, os azuis fluiam numa dança inigualável, os verdes pareciam mistérios...Mais parecia uma bonita pintura, visto dos olhos da moça, a paisagem se desmanchando em água .
A bela moça admirava a metamorfose de cores, enquanto de seus olhos brotava uma chuva cálida .
Do lado de fora, a chuva forte e calma limpava, e devia pensar que mais parecia um triste quadro, a bela moça debruçada na janela, vestida de vermelho, tão gasto que mais parecia uma rosa pálida; flores azuis em suas mãos, verdes olhos compostos de mistério e lágrimas .
Parada, a moça pensa que ela mesma poderia ser a rosa pálida que brota dos vermelhos. Mas, para que tanto medo de chuva ? Será que tem tambem tanto medo da vida ? Pra que tanta lágrima ?

Ela queria tanto ser como a chuva, que corre sem barreiras, que transforma, que nunca é a mesma...E então, por que não ser ? Ela desperta e corre para a vida ! Tão livre, tão bela, forte e tão certa !
É engraçado, como agora a água transformava seu vestido gasto em lindo manto vermelho-vivo; as flores azuis em suas mãos agora enfeitavam as macias cascatas castanhas que jorravam pelas suas costas; a grande chuva lavou a calidez dos olhos verdes da bela, que agora brilhavam vivos na razão que há na loucura....
Tão bela, tão forte, tão viva.. falo da moça ou da chuva ?
Quem tem medo de chuva ?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Bodas de Prata

 Vinte e quatro anos, alguns vários miligramas de tarja preta, analgésicos, dietas infernais, viagens e vinte e quatro anos...
  Vinte e quatro anos...Se eu soubesse que o idealismo vermelho dele não resistiria nem três anos, talvez eu tivesse ido em frente no meu projeto de aprender a beber e trocar de curso na universidade. Se eu soubesse que nossa utopia conjunta de amor se resumiria às frias jóias que ele me dava, talvez eu tivesse exercido o direito de ser jovem...mas não .
Eu tinha vinte e quatro anos, uma família socialite para agradar, um noivo cabeludo (que andava com a mesma camisa com estampa de estrela no peito por três dias seguidos), uma faculdade de psicologia numa universidade conceituada para concluir e poucos sonhos. Eu apenas queria um marido no qual eu pudesse dar o nó na gravata, criar crianças e dizer, todos os dias, aos meus pacientes no consultório : -" Como se sente sobre isso ?"
 Eu nunca dei ouvidos aos meus instintos de jovem dos 'anos 80', fui taxada de ' careta ' por todos, mas eu estive muito ocupada com as  provas de vestido, lista de convidados, decoração da igreja e à esperança lúdica de um dia dar uma festa de Bodas de Prata...vinte e cinco anos completos de um casamento seria a glória . Enfim, estive ocupada com todos os preparativos e desejos para o  que seria a grande loucura da minha vida : casar com um garoto menos rico que eu, que usava barba e era rotulado como a ovelha negra, ou melhor, a ovelha vermelha de sua família .
  A grande verdade é que a ovelha negra tornou-se um requisitadíssimo publicitário. Logo, as flores, os beijos e os versos tornaram-se casa de campo, casa de praia, jóias e finais-de-semana vazios em Seviilha.
  Todos diziam : Stella ? É uma mulher realizada com um marido que lhe enche de mimos. Realmente, pode até ser que eu seja...mas, vivo à base de calmantes para aturar os amigos chatos do meu marido, todos eles sempre cheirando a whisk, para estar sempre impecável nos coquetéis, para responder com inteligência e bom-humor milhares de perguntas inoportunas e ter a calma de ouvir meus pacientes e depois sempre dar-lhes ao mesmo diagnóstico :  " A culpa é de sua mãe . "
  Eu gostaria de dizer àquelas mães que, quanto aos filhos, é melhor ter jóias...a desculpa que dou a mim mesma por não poder tê-los .
  Enfim, vinte e quatro anos de um casamento, vinte e quatro anos em vão ! 
  É isso, eu sou Stella Madeira, não mais a Senhora Castro. Psicóloga, sem filhos, recém-saída de um casamento que durou vinte e quatro anos inférteis. Tanta maquiagem, perfume, literatura alemã...tudo em vão . Não terei crianças para educar e nem ao menos amigos de marido para impressionar .
  Sou uma mulher que não foi mulher, que não teve filhos, que viu o amor acabar sem ao menos dar uma festa de Bodas de Prata. Stella Madeira não fez Bodas de Prata.
  Infeliz Stella .